quarta-feira, outubro 21, 2015

Fatale

Nunca me esquecerei a primeira vez que a vi. Tomando rauchbier e fumando cigarro mentolado naquela espelunca da alemanha oriental, ainda havia o muro. Assim que bati os olhos nela, cabelos negros e lisos na altura dos ombros e óculos grandes de armação preta, nossa conexão foi imediata! Ela me deu abrigo em seu bunker quando lhe contei que estava sendo perseguida pelo regime.
Certo dia confessou-me com orgulho seus traumas de infância, que sua mãe, antes de deixá-la no orfato, mentiu à menina, dizendo que ela era hemafrodita na tentativa de minar sua auto-estima. Lá foi vítima de inúmeras gozações dos coleguinhas. 
Dona de indubitável beleza e desprovida de masculinidade, chegou na puberdade sem deixar dúvidas de que era uma mulher com M maiúsculo, arrebatando corações e enchendo de amargura as menininhas orfãs por ela apaixonada.
Assim seguiu, com sua flamejante vivacidade e esperteza, alheia aos traumas de infância, com a convicção reservada somente aos dotados de QI superior. Nem sequer a cicatriz em seu rosto fora suficiente para eclipsar seu brilho. 
Não tardou a conhecer Chirsta Maria e logo entrou para o serviço secreto, demonstrando assim sua vocação nata para o extraordinário e seu gosto por um estilo de vida perigoso. Assim nascia a hemafrodita, mas ao contrário de dois sexos, possuia duas personalidades: a atriz e a espiã. Encenando-as a seu bel prazer.

quarta-feira, julho 10, 2013

Minha história

   Sempre fui apocalíptica.  A certeza da finitude, a falência da raça humana, a pobreza, a miséria, a ignorância.... regida pelos desenganos, deixei-me incendiar pela ideia do fim do mundo, ou ao menos do homem. Entrei em erupção e como um vulcão minhas lavas escorreram, quentes e escarlate, como sangue, porém inflamável. Das entranhas da terra explodi em mim mesma, meus pedaços viraram letras, frases e versos, todos magmáticos, mas não como rochas, pois ainda não esfriaram e são de outra matéria.
  Pensamento desconexos me afugentavam do centro de mim mesma, e como um oceano num maremoto inundei a tudo e a todos. Inundei minha alma com desesperança, não me deixei levar pela correnteza, insistindo em brigar com o mar e as ondas. Enfrentei tsunamis, fui até o triangulo das bermudas, não soube escutar os ventos e fiquei sem popa e rumo. Pensando ter encontrado o mapa certo, acabei sem terra à vista, sozinha em águas escuras e salgadas.
   Ainda assim voltei à água, aquela dos primórdios do meu ser, de onde surgi, a água da bolsa, a água in útero, da barriga da minha mãe, à água da vida, do amor, do contato íntimo, da conexão vital, do extremo da dependência, do amor incondicional, da cooperação inexorável, da troca energética, água do desconhecido, água rica, água intra-uterina. E lá nadei dentro da bolsa, flutuei ligada ao cordão umbilical até que a misteriosa semente da vida me tornasse o que sou hoje.
    Foi então que embarquei no taxi lunar que me levou para além  da lua, me levou para a via láctea, me levou ao buraco negro, me mostrou tudo o que conhecia e que ainda assim não é nem um grão de areia do que se conhece, me mostrou o invisível. E eu acreditei e vi.








sábado, junho 29, 2013

Cultura planetária

Experimente acordar e pensar: "Eu sou um terráqueo, não vivo sem o sol e respiro oxigênio". Quero dizer, não pense "sou brasileiro. ou sou paulistano, ou sou mulher, ou sou homem" vá além e pense que você é, antes de mais nada, um terráqueo, um habitante desse sistema solar.

Expansão


Nem todo mundo nasceu pra ser livre, a maioria das pessoas nem sabe o que fazer com a liberdade, a liberdade desregra, alarga, desmede, a gente precisa de bordas, limites, molduras, a gente não sabe pra onde expandir esse tanto todo, tudo e é tanto e é todo, que dá medo da morte, do infinito, do não sei, do livre, do solto, do via lácteo, do espasmo, do ser….

segunda-feira, maio 27, 2013

Benditos sejam


Vivam os malditos
Seus deboches e desdéns
O sacrosanto sarcasmo        
A predileção pelo avesso


Vivam os malditos
Da verdade escancarada
Do verbo dilatado
Polêmica tatuada no DNA 

Vivam os malditos
Seu gosto agridoce pelo incomum
O fardo pesado embalado
O óbvio sempre rejeitado

Vivam os malditos
E suas poesias feitas de lágrimas, sangue e semên
Sua autenticidade pungente
Sua marginalidade latente

Vivam os malditos
Para quem ousadia não é escolha
Guiados pela incerteza
Cientes de sua natureza extraordinária

Vivam os malditos
E suas sombras 
O medo do velado
O autêntico despudorado

Vivam os malditos
E seus amores intensos
Suas loucuras vis
Sua entrega descomunal

Vivam os malditos
De Baudelaire a Chacrinha
De Clarice a Nelson Rodrigues
De Cazuza a Itamar Assunção
De mim a você

Camm

sábado, maio 11, 2013

Fêmea


A dor de ser uterina
De  carregar dentro de sí a caixa do divino
A máquina milagrosa de gerar vidas
Tudo concentrado em uma só bolsa

Opera além da nossa vontade
E muito além do nosso entendimento
Vem conosco desde nascença
Independente de portar ou não um ser, ela funciona

Nosso corpo se prepara
Os hormônios são despertados
E militarmente desempenham suas funções
Preparam-se religiosamente para aquele ritual

Do lado de fora só nos resta aceitar
As mudanças de humor
Os cansaços, cólicas
As oscilações de peso

A sensibilidade ainda mais aflorada
A nossa condição de mulher
A aceitação da beleza desse rito de passagem
Ao qual não podemos fugir naturalmente

Período que traz consigo ensinamentos
Repleto de sacralidade ancestral
De mistérios e ocultismos
De ordem muitissímo orgânica
Culminado em sangue e alívio

Adoro ser mulher…

 Camm

Excêntrica


Hoje não tô pra festas
Distribuição de sorrisos
Conversas jogadas fora
O império do superficial

Escolhi o recolhimento
O encontro literário
A viagem vertical 
O silêncio

Hoje não quero música
Apenas as vozes da minha mente
A solidão que procura o encontro
O consolo da poesia

Não quero ouvir seus problemas, 
Nem observar sua neurose
Nem ter paciência
Nem aceitar forçosamente

Quero ficar comigo
Me perder no meu labirinto
E se possível demorar bastante pra encontrar o caminho de volta

Se quiser vir comigo talvez eu deixe
Mas tem que prometer que vai ficar quietinho
Deixar seu ego de fora
Sem histeria
Sem competição

Calmo
Silencioso
Presente
Você está no meu labirinto

Se encontrar a saída
Por favor, me mostre sutilmente,
Com delicadeza

Camm



Outono


Não me pergunta nada
Só me abraça e passa seu calor
Me entenda mudo
Me deixa quieta
Dorme comigo, só dorme, dorme, dorme....

Não pensa nada
Só me dá seu carinho e amor
Me aceita quietinha
Fica do meu lado
Me dá seu calor

Lado a lado
Corpo a corpo
Sem amanhã
Sem compromisso
O agora todo nosso

Me empresta seu calor
Dorme abraçado comigo
Não me pergunta nada
Não tenta me entender
Me aceita
Me ama e receba

Camm

Procura-se


O que tá dentro de mim querendo sair?
Aonde foi parar aquela lágrima que não sai mais do meu olho?
O que significa essa sensação diferente na boca do estômago?
Por que sinto saudade daquilo que eu quase não sei?
Para onde foram os sonhos delirantes?
Cadê o gosto do aconchego do beijo e dos corpos unidos na noite fria?
Cadê a loucura de sentir loucura?
O que precisa jorrar e eu não to deixando?
Pra onde tá indo todo esse fluxo de dentro?
Cadê aquela sua verdade que você me mostrou?
Cadê aquela minha verdade que eu escondi sem querer?

Camm

Nostalgia


Tô me sentindo tão down
Tentando decifrar qual o sinal 
O verso, a letra a rima
Sentir o aviso do coração
O frio gela até a espinha
A tristeza vem sempre sozinha
A rima é sempre só minha
A poesia dança na solidão
Trazendo a mensagem do coracão
Junto vem a aflição
Carência
Vontade de sentir junto
Não mais só
Descobrir o caminho
A tristeza vem com o recado
Eu quero pegar a correspondência
Sentir até o final
Só quero sentir
Não importa
Quero de volta meu coração
Com tristeza se faz uma paixão
Com paixão se faz vida

Camm

Sujeito e objeto



Adorava o jeito que ele pontuava as frases! Períodos curtos. Sentimentos intensos.
Lamento não ter sido tão longo nosso período juntos. No meu texto havia mais reticências… muitas vírgulas.
Mas ele insistia em usar exclamações e frases sucintas. Enquanto eu tentava, entre parentêses, prolongar aquela sentença.
Ele vinha com travessões e interrogações descabidas. Dentro de sua cabeça surgiam histórias sem começo meio ou fim. E eu, na tentativa de organizar a narrativa, me vi perdida num labirinto de frases e letras desconexas.
E o que era para ter sido um romance, acabou como livro de bolso.

Separação


É estranho quando a linguagem entre os corpos continua em sincronia, mas as mentes não mais. No plano do pensamento as diferenças não encontram um meio termo, um lugar para ambas se acomodarem e gozarem de relativa tranqüilidade. Quando unidos, os corpos conhecem os segredos escondidos entre a pele e os ossos. Mesclam-se com a maior desenvoltura e intimidade. A carência e o desejo emanam calor num abraço terno. Complementam-se como num bonito balé entre o vento e o mar. As bocas se unem. O magnetismo está presente e atuante. Os cheiros se misturam, formando um novo e erótico odor. Os corpos se entrelaçam, se unificam, não se sabe onde começa um e termina o outro.
Mas na ausência do encontro corpóreo, a mente é inundada por pensamentos nefastos e destrutivos, dor e sofrimento são inconvenientes companhias. Os minutos de solidão tornam-se torturantes. Uma eterna desconfiança insiste em sussurrar ao ouvido, a ponto de enlouquecer. A mente desenvolve uma poção, cujo ingrediente principal é a paranóia e só há um antídoto para saná-la, e este antídoto é o outro, com seu corpo, sua presença e sua voz! Ou qualquer coisa que o corporifique, arrancando o ser do mundo da fantasia e da loucura. Entregando-o novamente à realidade.
A separação se faz necessária, vital, imprescindível. A intensidade da dor, quando do momento da ausência, só passará quando houver o desapego. O desligamento, tanto mental quanto corporal, precisa ser acionado, pois um não existe sem o outro e a realidade conjunta configura o caos. A única esperança de paz é a solidão de fato. A solidão plena. Sem os fantasmas malévolos da fantasia. A conexão precisa aprender a acontecer por outra via, que não a do sofrimento e do desejo.
Hoje és observado de longe... com a calma de quem observa o fogo sem colocar as mãos em suas labaredas. Apenas aquecendo-se enquanto pensa... pensa... aproveitando-se desse breve e pacifíco reencontro consigo mesmo.

domingo, agosto 14, 2011

Tumtum

E que os nossos corações continuem sendo irrigados com jorro da esperança renovadora, que drena conceitos e sentidos em eterno e incessante fluxo de purificação, alcançado o caminho da eternidade!

domingo, junho 13, 2010

Simple

Quem sou eu?! Uma pessoa simples! Gosto de acordar tomando champagne, acompanhado de caviar em um hotel com vista para a torre Eiffel... nua, usando apenas um hobby de seda chinesa, arduamente tecido pelos dóceis animaiszinhos em seu vai e vem habitual. Ao meu lado, de preferência a última capa de revista de moda masculina de sucesso, com seu membro entumescido, apenas esperando por um sútil estalar de dedos para servir-me. No gramofone de 1910, um vinil de Billy Holliday, ou talvez algo como a gralha de Piaff. Os resquícios da noite anterior se fazem presentes por toda a casa, em alguns minutos acionarei o sininho mágico e as serviçais se encarregarão da limpeza e ambientação para o começar do dia.... hummm... hoje acho q vou querer, deixa eu ver... Isso, oriente!!!! Mandarei vir uns tapetes e panos da loja do turco mão de vaca! Ele me adora, a última vez que fui lá me pediu em casamento, disse que eu teria que dividí-lo com apenas 6 esposas e me presentearia com jóias! Agradeci com um semi-sorriso... seus hábitos religiosos/culturais são incompatíveis com as minhas necessidades e métodos de satisfação. Além do que, eles não são muito queridos pelos franceses, o que certamente traria problemas para meu intenso círculo social, mas sua tapeçaria é realmente divina! É impossível deixar de notar em como são peludos os oriundos do oriente, realmente incrível. Jacques tem um corpinho de bebê, quase nenhum pelo e também não ronca, o que é ótimo! Eu sinto que ele gosta de mim, evidente que ele gosta mais do meu status, do dinheiro que posso lhe oferecer, festas, bebidas, pessoas que posso lhe apresentar, passeios de barco, viagens pelo litoral europeu. Jacques me preocupa, acho que ele deveria se preocupar mais com seu futuro, quando a data de validade de nossa relação expirar precisará ter conseguido algo sólido! Ontem Antoine comentou sobre o incerto futuro da França, crises financeiras, presidente fanfarrão, metrô, enfim, essas lamentabilidades que todos estamos cansados de ler no jornal. Quis mudar de assunto, pensei em gastar minha parca filosofia falando de Sartre, mas resolvi não arriscar... o álcool já estava elevando a todos e qualquer assunto despertava reações efusivas... além do que, acho esses filósofos chatos e demodês. Falando em demodês, Antoine começou um de seus assuntos prediletos, a anorexia no mundo da moda e como essas modelos vestem bem! Eu reparava no flerte entre dois rapazes, enquanto Antoine vociferava as futilidades doentias do pretê a porter. Jacques, entediado, começou a fazer seus malabarismos circenses. Plantou bananeira, depois começou a dar estrelas, na hora da estrela para trás, foi-se meu vaso de cerâmica egípcia. Ótima desculpa para voltar ao país. Quando se é muito rica, é preciso ter muita criatividade para não morrer de tédio...